28/04/2022

Todas as 14 térmicas a gás antirracionamento estão atrasadas

Todas as 14 térmicas a gás antirracionamento estão atrasadas
USINAS TERMICAS Foto Reuters Paulo Whitaker

Obras deveriam evitar cortes de luz de 2022 a 2025; metade pode descumprir até o prazo máximo.

A construção de todas as 14 térmicas a gás contratadas no leilão de energia emergencial em outubro do ano passado, para garantir o abastecimento neste ano em caso de nova seca, está atrasada. A projeção é que nenhuma delas vai entrar em operação na data inicial prevista, 1º de maio.

Levantamento que detalha o risco de descumprimento do cronograma e pede a aplicação das devidas providências consta de carta enviada, nesta terça-feira (26), pela Abrace, entidade que representa os grandes consumidores de energia, à Aneel, a agência que monitora o setor.

O acompanhamento considera os dados disponibilizados pela própria agência.

De acordo com a correspondência, uma portaria do MME (Ministério das Minas e Energia) permite atraso de até três meses nesse tipo de empreendimento. Ou seja, as térmicas teriam de estar ligadas e gerando energia até 1º de agosto.

No entanto, a projeção é que metade delas terá dificuldades para cumprir até mesmo esse prazo máximo; quatro delas não têm nem mesmo local definido para a instalação.

CONTRATOS ELEVAM CUSTO PARA O CONSUMIDOR DE ENERGIA

A Creg (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) aprovou a contratação de usinas térmicas em setembro de 2021 com a meta de reforçar a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras entre 2022 e 2025. Naquele momento, os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, a caixa d'água do setor elétrico brasileiro, estavam com 19,59% de sua capacidade de armazenamento de energia.

modelagem do leilão emergencial chegou a ser questionada na Justiça, mas o governo conseguiu manter o certame.

Na correspondência à Aneel, a Abrace reforça que, agora, o cenário é outro. Os reservatórios do sistema nacional operam com 70% do volume de armazenamento, abrindo espaço para evitar o uso de energias mais caras, como a das térmicas.

Apesar da mudança de cenário, a entidade destaca que ainda assim é preciso cumprir os contratos com as térmicas firmados nesse leilão emergencial. Em contrapartida, pede à agência que aplique a elas a punição prevista pelo MME em caso de descumprimento do prazo máximo: a rescisão do contrato.

As térmicas a gás estão em diferentes estágios de atraso, segundo o acompanhamento.

Cinco têm chance de entrar em operação antes do prazo limite, em agosto: MP Paulínea, RE TG 100 02 01, Viana 1, Povoação 1, Luiz Oscar Rodrigues de Melo. Já Barra Bonita 1, Karkey 013, Karkey 019, Porsud 1 e Porsud 2 dificilmente estarão prontas até lá.

Quatro térmicas estão tão atrasadas que têm baixa chance de saírem do papel, de acordo com o documento: Edlux 10, EPP 2, EPP4 e Rio de Janeiro I.

Foram contratados projetos que totalizam 1.220,8 MW de potência instalada: se operassem em tempo integral, garantiriam capacidade suficiente para abastecer 6 milhões de habitantes, praticamente uma cidade do Rio de Janeiro.

Desse total, a maior parte, 1.177,8 MW, ficaram com projetos mais caros, movidos a gás. Apenas 43 MW vão ser cobertos por projetos de energia renovável. Segundo o levantamento da Abrace, todos os três projetos de renovais estão dentro do prazo (Fênix, que já foi concluída, Buritis e Machadinho).

"Os atrasos apontados acima reafirmam a necessidade de que a Aneel monitore, de forma rigorosa, o cronograma de implantação dessas usinas. É importantíssimo que as áreas responsáveis realizem um acompanhamento detalhado, de forma a garantir que as regras do leilão sejam respeitadas, sem flexibilizações", diz o texto.

Procurada pela reportagem, a Aneel disse que está acompanhando o andamento das obras.

Na avaliação da Abrace, não faria sentido econômico para os consumidores que a agência flexibilizasse ainda mais o prazo.

A entidade reforça que, pelo contrato, essas térmicas deveriam operar por cerca de três anos e meio, a um custo elevado. Pelas estimativas, serão cobrados R$ 11 bilhões ao ano dos consumidores via Encargo de Energia de Reserva, aumentando uma tarifa que já está elevada.

O custo total pode encostar em R$ 40 bilhões ao final do período, pesando na conta de luz dos consumidores residenciais e também no custo de produção da indústria.

GOVERNO DEFENDE USO DE TÉRMICAS A GÁS

O governo tem defendido o uso de térmica a gás dentro de um programa maior que busca incentivar o uso das reservas nacionais. Hoje o país produz gás junto com petróleo e reinjeta a maior parte do gás no poço. O Ministério da Economia participou da organização de um novo marco regulatório e há empresas privadas interessadas em negócios com essa commodity.

No entanto, o gás está na lista global de combustíveis fósseis poluentes que, no combate às mudanças climáticas, vão perder espaço no longo prazo para energias renováveis. Seu preço vem sofrendo altas sucessivas. Neste ano, tem sido especialmente afetada pelo guerra na Ucrânia, pois a Rússia é importante produtor e fornecedor de gás.

Existe o temor que o uso excessivo de térmicas a gás na geração de energia elétrica contribua para elevar ainda mais o custo da energia no Brasil.

Um exemplo do impacto nos preços está no próprio leilão emergencial de outubro. O preço médio no leilão ficou na casa de R$ 1.560 pelo MWh (megawatt hora), mais de sete vezes o valor alcançado nos leilões para o mercado regulado, que foi de R$ 210/MWh em 2019.

Nos seis meses que se passaram desde lá, o valor do gás teve forte repique e já sai na casa de R$ 3 mil pelo MWh, considerando o valor no mercado spot (à vista).

Se o país estivesse precisando de energia emergencial agora e fizesse um leilão para térmicas a gás, os valores ficariam nessa faixa.

É uma grande diferença em relação às renováveis, que tiveram forte queda nos últimos anos. Nesse mesmo leilão de outubro, foram contratados dois projetos de energia solar e uma térmica a cavaco de madeira a um preço bem mais baixo, na média, R$ 345 /MWh.

No momento em que o leilão dessa reserva de energia foi avaliado e liberado, o governo estava sob a pressão do risco de racionamento. Assim autorizou regras mais flexíveis, que foram questionadas. No final, as propostas ficaram concentradas na energia a gás apesar de mais cara (Folha de S.Paulo, 28/4/22)