07/03/2023

Todos saem perdendo com a retomada de invasões pelo MST

Trabalhadores rurais sem terra, que invadiram fazendas de eucalipto da Suzano Celulose na Bahia, na semana passada - @mstnabahia no Instagram

MST NA BAHIA  - @mstnabahia no Instagram

Por Joel Pinheiro da Fonseca

Ação do movimento na Bahia coloca um dilema para o governo Lula no início do mandato.

Ao invadir terras produtivas da Suzano na Bahia, o MST testa as águas do novo governo para ver o quanto consegue obter. As invasões, que já começaram a aumentar ano passado, devem crescer ainda mais. Se forem premiados pela invasão, é evidente que dobrarão a aposta. Inclusive é o que já promete.

Para a Suzano, é péssimo. Milhões de reais perdidos e mais dor de cabeça. Para o governo Lula, então, nem se fala. Essa invasão é concretização —em meros dois meses de mandato— dos piores fantasmas projetados pela extrema direita em 2022. A cereja no bolo é que o presidente da Suzano foi se engajou publicamente na defesa da democracia em 2022, ou seja, contra o projeto bolsonarista. Parece ser punido por suas virtudes.

Para o próprio movimento, é uma estratégia arriscada. Ao longo dos últimos anos, o MST vinha construindo uma imagem muito positiva junto à opinião pública. Não era mais visto como os encapuçados armados de foices e tochas, prontos a destruir fazendas, da caricatura dos anos 90. Agora o MST se mostra como a grande promotora dos orgânicos e da agricultura familiar, dona de quitandas conscientizadas e doadora de alimentos para os necessitados. A invasão e depredação de uma terra produtiva é a volta do antigo fantasma revolucionário, querido por uma certa militância, mas rejeitado pela maioria da sociedade, que acredita em ordem e trabalho.

A invasão de propriedade, se generalizada, é profundamente desestabilizadora para a sociedade. Gera imprevisibilidade, seca investimentos, dificulta planejar o futuro, reduz vagas de emprego.

Segundo entrevista dada por Evanildo Costa, membro da direção do MST na Bahia, para a Carta Capital, a invasão (ou, como ele prefere, "ocupação") de terras produtivas é "um instrumento que os trabalhadores têm de pressionar". É verdade. Eles nem têm interesse nas terras que foram invadidas, e sim em outras, que já foram separadas para assentamentos no passado que nunca foram efetuados. Quem sabe agora finalmente agilizem o processo.

A lógica do protesto disruptivo das leis da sociedade é perigosa. No mínimo, quem nele se engaja deve ter a coerência de aceitar as consequências legais de seu ato. E se cada grupo com uma demanda legítima resolvesse invadir e depredar empresas ou vias públicas, impedindo a vida normal de milhões? Está instalado o caos. Todos saem perdendo.

A questão é como empresa, governo estadual e governo federal responderão a essa pressão. Da parte da Suzano, a resposta foi clara e correta: negociação só depois da total desocupação. As decisões judiciais de reintegração de posse já estão aí, falta serem cumpridas pelo governo.

Já o governo Lula ou dá um sinal claro de que o MST só tem a perder —inclusive na Justiça— com essa estratégia de invasões, ou estará contratando mais desordem para o futuro próximo.

A demanda por justiça social no campo brasileiro é justa e histórica. Para quem duvida, basta ver a outra notícia sobre o trabalho rural que tomou a imprensa nas últimas semanas: centenas de trabalhadores no RS mantidos em regime análogo à escravidão, com direito a surras e choques. A maioria é baiana. É difícil não nutrir algum tipo de ímpeto revolucionário frente a uma notícia dessas.

Em ambos os casos, que se cumpra a lei. Empresários criminosos têm que saber que suas práticas criminosas serão duramente punidas, e empresários honestos precisam ter a segurança para seguir investindo, contratando trabalhadores em regime justo e gerando valor (Joel Pinheiro da Fonseca é economista e mestre em Filosofia pela USP; Folha de S.Paulo, 7/3/23)