16/05/2019

Transformar riquezas naturais em progresso - Por Maurício Antônio Lopes

Transformar riquezas naturais em progresso - Por Maurício Antônio Lopes

Nenhum país bate o Brasil no quesito riquezas naturais. Quinta maior nação do globo, com 8,5 milhões de km², nosso território cobre 5,6% das terras do planeta e 48% da América do Sul. Nossa vasta superfície de terra contínua é agraciada por grande oferta de água-doce, abundante energia solar e a maior reserva de biodiversidade do globo. Nossas riquezas naturais ganham ainda maior relevância neste momento em que alterações climáticas e perda de diversidade biológica limitam a resiliência dos ecossistemas e a capacidade humana de responder a ameaças à segurança alimentar, à saúde das populações, ao comércio e à paz entre as nações.

 

É por isso que o desenvolvimento do Brasil no futuro poderá ser impactado por nossa capacidade de transformar esse manancial em respostas aos riscos à frente e em mais progresso para a sociedade. Se manejada de forma inteligente, nossa riqueza natural poderá alavancar a economia, a nossa imagem e atratividade e a disseminação de progresso de forma mais justa por todo o nosso imenso território. Obviamente, não alcançaremos esse objetivo dilapidando o nosso patrimônio natural ou tentando protegê-lo com cercas de arame farpado. Conhecer e manejar essa imensa riqueza, de forma arguta e pragmática, é um imperativo para conquistarmos um futuro melhor para o Brasil.

 

Para avançar nessa direção, é preciso escapar de comparações infundadas com outras realidades. Por exemplo, questionar o novo Código Florestal Brasileiro com o argumento de que nenhum outro país do mundo faz o mesmo que nós para proteger a vegetação nativa e as fontes e cursos d’água nas propriedades rurais privadas não faz sentido. O Brasil está, na verdade, construindo um ativo único por meio dessa legislação, e se diferenciando pela forma corajosa e ousada com que trata sua riqueza natural. O Código Florestal já destaca o Brasil como nação capaz de gerir eficiente e diferenciadamente  propriedades rurais, o que, infelizmente, a maioria dos países dificilmente conseguirá.

 

Outro desafio importante é avançar no entendimento e na gestão dos serviços ambientais e ecossistêmicos que os recursos naturais proveem à sociedade. Além de alimentos, água e matérias-primas, a natureza também nos provê de serviços como regulação do clima e dos ciclos hidrológicos, oferta de diversidade biológica, fixação de carbono, polinização, reciclagem dos resíduos, recreação, dentre muitos outros. À primeira vista, monetizar ou atribuir valor econômico a tais serviços e recompensar aqueles que contribuem para a sua manutenção pode levar a distorções nas relações dos sistemas econômicos com a natureza. Mas, por outro lado, talvez essa seja a única forma de incluí-los de forma permanente nos processos de tomada de decisão da sociedade, de modo a evitar sua diminuição ou perda, o que produziria impactos desastrosos para todos. Ao promover essas iniciativas ampliaremos também a contribuição dos nossos ativos ambientais na geração de mais benefícios econômicos e progresso para a sociedade.

 

Embora complexa, essa discussão é muito importante, pois nosso planeta tem tamanho limitado e a população segue crescendo e ampliando o consumo, o que pode colocar em risco o bem-estar humano. Diante dessa realidade, todas as opções alternativas de uso da terra e dos recursos naturais envolverão interesses, muitas vezes antagônicos, e, por isso, cada vez mais difíceis de gerenciar. Já sabemos que viabilizar a qualificação, a quantificação e o pagamento por serviços ambientais é tarefa árdua, mas cada vez mais necessária, para que a utilidade e o valor dos recursos naturais não sejam ignorados ou subvalorizados e para que os esforços daqueles que contribuem para a sua manutenção e fortalecimento sejam reconhecidos pela sociedade.

 

É notória a capacidade da ciência brasileira no tratamento dos mais variados aspectos do uso da terra e do meio ambiente. Além do inédito Código Florestal, o Brasil implementa o Plano ABC, Agricultura de Baixo Carbono, política pública baseada na melhor ciência tropical do mundo, que de 2013 a 2018 incorporou práticas de produção sustentáveis em quase 10 milhões de hectares. Além disso, o Brasil conta com um sistema sofisticado de zoneamento e gestão de riscos na sua agricultura, iniciativa de promoção da sustentabilidade também única no mundo tropical. Na confluência desses três avanços sem paralelo em todo o mundo está o próximo desafio – avançar na qualificação e na valoração dos serviços ambientais e ecossistêmicos associados aos nossos recursos naturais e à crescente incorporação de práticas sustentáveis à nossa agricultura.

 

Entre todos os países tropicais, o Brasil dispõe das melhores condições para incorporar com sucesso essa agenda, agregando uma marca positiva e diferenciada à imagem dos seus setores mais estratégicos – agricultura e meio ambiente. Demonstrar coragem e capacidade de abraçar desafio tão arrojado irá solidificar uma marca de contemporaneidade e uma imagem fortalecida do Brasil para os brasileiros e para um mundo sedento por avanços mais ousados na direção da sustentabilidade (Maurício Antônio Lopes é pesquisador e ex-presidente da Embrapa)