Transição energética e desenvolvimento durável
Mauricio Antonio Lopes, pesquisador da Embrapa Agroenergia. Foto Embrapa
O adjetivo “durável” é frequentemente associado ao conceito de desenvolvimento sustentável como forma de enfatizar condições que favoreçam progresso em prazos longos, com estabilidade, equilíbrio e resiliência. Energia é um componente crítico nesta equação, em função da sua essencialidade para a maioria das atividades da sociedade moderna. Por isso, a busca de um modelo de desenvolvimento durável passa, necessariamente, pela reinvenção do atual modelo energético, concentrado em fontes fósseis poluidoras e dependente de poucos provedores.
Apesar de todos os esforços para racionalização do consumo global de energia, a humanidade está fadada a aumentar sua dependência energética, de acordo com o estudo “Global Energy Perspectives 2022” da consultoria McKinsey. Em 2050 o consumo global de energia deverá ser quase o dobro daquele que tínhamos em 1990. Hoje a humanidade depende de energia fóssil para mais de 60% de suas necessidades, e apesar da redução de demanda causada pela pandemia, uma forte recuperação é esperada nos próximos 2-3 anos, podendo levar o uso de combustíveis fósseis para perto de 70% do total.
Outro fato relevante é que a política energética que impera em todo o mundo trabalha contra os direitos das comunidades e indivíduos de fazerem suas próprias escolhas em relação às formas, escalas e fontes de energia. E não são poucas as barreiras à transição para sistemas energéticos descarbonizados, essenciais para o desenvolvimento limpo e durável. No entanto, as crises concomitantes que vivemos – mudanças climáticas, pandemia, guerra no leste Europeu, inflação e distúrbios nos fluxos globais de insumos e alimentos – poderão alterar esta realidade, apressando a transição energética que o mundo tanto necessita.
A esperada transição para fontes renováveis de energia ao longo das próximas décadas poderá alterar de maneira profunda o panorama geopolítico, com países e provedores deixando de ser poderosos devido à energia fóssil que produzem. Alternativas energéticas renováveis e virtualmente inesgotáveis, como hidrogênio, sol e ventos dificilmente se tornarão monopólios de países, regiões ou empresas, pois estão em todos os lugares e sua exploração sustentável poderá ajudar a desarmar armadilhas geopolíticas operadas por provedores de energia fóssil há décadas.
Ao se discutir alternativas energéticas para um desenvolvimento sustentável e durável, o hidrogênio (H), que é o elemento químico mais abundante no universo, está entre as opções mais lembradas. Apesar de sua abundância, o hidrogênio só é encontrado em combinação a outros elementos, como na água (combinado ao oxigênio) ou em hidrocarbonetos (combinado ao carbono). E sua obtenção ainda envolve processos de separação complexos, custos econômicos altos e, muitas vezes, impactos ambientais significativos.
Hoje a maior parte do hidrogênio é produzida a partir de combustíveis fósseis - o chamando “hidrogênio cinza”, que resulta em grandes emissões de CO2. Quando o carbono gerado no processo é capturado, neutralizando as emissões, temos o “hidrogênio azul”. Só o hidrogênio produzido de fontes renováveis não emite carbono, sendo chamado de “hidrogênio verde”, resultante da quebra da molécula de água em oxigênio e hidrogênio, usando eletricidade de fontes solar e eólica.
Comparado aos combustíveis convencionais, o hidrogênio possui o maior conteúdo de energia por unidade de peso, três vezes maior do que a gasolina, com a grande vantagem de não produzir emissões poluentes. Por isso o mercado de hidrogênio verde vive um momento auspicioso, com vários países respondendo às pressões pela descarbonização profunda das suas economias com planos de transição energética que priorizam esse recurso limpo e inesgotável.
O hidrogênio poderá também viabilizar os arranjos sistêmicos necessários para uma transição energética planejada, gradual e inteligente. Por exemplo, é possível utilizar o hidrogênio para se mobilizar energia limpa a partir de fontes intermitentes – como solar e eólica - de locais onde pode ser produzida de forma barata e segura, para locais onde há grande demanda. Como pode ser facilmente estocado e transportado, o hidrogênio funcionaria como transportador e não como fonte primária de energia.
O hidrogênio oferece também novas possibilidades de descarbonização do setor de transporte, com a inserção de veículos elétricos que não dependam de baterias - que tem alto custo, demandam recargas constantes e produzem impactos ambientais negativos. Já é possível, por exemplo, utilizar combustíveis líquidos, como o etanol, em uma célula de combustível que produz hidrogênio e, a partir dele, energia elétrica, sem a necessidade de bateria e sem emissão de carbono, tendo apenas água e calor como subprodutos do processo. Conceito semelhante poderá ser usado para levar eletricidade a muitos rincões distantes das redes de distribuição, bastando que comunidades possam ter acesso à mesma tecnologia adaptada às suas necessidades.
No livro A Ilha Misteriosa, publicado em 1874, o visionário escritor Júlio Verne antecipou: “um dia a água será empregada como combustível, o hidrogênio e o oxigênio que a constituem - usados isoladamente ou em conjunto, fornecerão uma fonte inesgotável de calor e luz.” Quase 150 anos se passaram e o mundo tem finalmente os meios para concretizar a ousada visão de Verne (Mauricio Antonio Lopes, pesquisador da Embrapa Agroenergia)