13/03/2019

Três décadas de internet – Editorial O Estado de S.Paulo

Três décadas de internet – Editorial O Estado de S.Paulo

A tecnologia não é capaz, por si só, de assegurar a tão prometida liberdade na internet. É preciso uma atenta vigilância.

A internet, no modo como a conhecemos hoje em dia, completa 30 anos. Ainda que seja relativamente recente, ela mudou e continua a mudar profundamente as relações sociais, econômicas e políticas, com reflexo em todas as esferas da vida. Se é inegável que a internet é expressão cabal da capacidade humana de inovar, ampliando e criando inúmeras possibilidades de desenvolvimento, também é certo que ela cada vez mais apresenta desafios para todos – governos, empresas e cidadãos. A tecnologia não é capaz, por si só, de assegurar a tão prometida liberdade na internet. É preciso uma atenta vigilância.

O aniversário da internet faz referência ao dia 12 de março de 1989, quando Tim Berners-Lee, pesquisador do Cern, o famoso laboratório de física da Suíça, elaborou uma proposta de sistema de gerenciamento de informações para a internet. Era o nascimento da World Wide Web (WWW).

A internet, como rede de computadores, já existia desde a década de 60. Como parte da estratégia militar durante a guerra fria, os Estados Unidos buscaram formas de diversificar o armazenamento e a troca de informações militares sensíveis. O resultado desse esforço foi o desenvolvimento de um sistema que interligava vários computadores e permitia a troca de dados entre eles. Depois, a rede deixaria de ser de uso exclusivo militar.

A contribuição de Tim Berners-Lee foi apresentar uma proposta de sistema organizado para escrever, transmitir e armazenar essas informações entre os computadores, o que até então não existia. O mérito da WWW consistiu em ser um sistema simples que facilitava a navegação dos usuários na rede. A proposta de Berners-Lee incluía, por exemplo, o hiperlink, que se mostrou tão útil para simplificar o uso da internet.

Ardente defensor da neutralidade da rede, Tim Berners-Lee comentou que o trigésimo aniversário da WWW é motivo de comemoração e também de reflexão. As pessoas “estão assustadas após as eleições de Trump e o Brexit, percebendo que a web que eles achavam tão legal não necessariamente está fazendo bem para a humanidade”, afirmou Berners-Lee. É cada vez mais consolidada a impressão de que “a internet não é tão bonita assim”.

O tão sonhado ambiente virtual de liberdade, no qual cada um deveria poder expressar suas ideias e opiniões, ter acesso a novas fontes de conhecimento e conectar-se com novas comunidades e pessoas, é fortemente ameaçado pelo abuso de poder de alguns, pela manipulação de informações, pela difusão de notícias mentirosas, pelo radicalismo e extremismo de determinados grupos. A internet, que em tese poderia ser uma significativa contribuição para a coesão e a colaboração social – como de fato é em tantas situações –, tem sido também ocasião para o esgarçamento das relações sociais, como se fosse terra sem lei, na qual mandam o mais atrevido e o mais forte.

Além do risco de manipulação social e política por meio da internet, outro ponto que suscita especial preocupação no trigésimo aniversário da WWW é a proteção dos dados pessoais. Há casos de flagrante violação da privacidade, às vezes com vazamento de informações de milhões de usuários. Têm havido também frequentes denúncias de uso não autorizado por parte de empresas em relação a dados de usuários e de terceiros.

“É a nossa jornada da adolescência digital para um futuro mais maduro, responsável e inclusivo”, disse Berners-Lee, ao apontar que a internet é um caminho sem volta. Os governos precisam estar atentos, tanto para investigar as violações aos direitos e garantias dos usuários como para atualizar as leis numa área em contínua transformação. Também são precisos vigilância e aprendizado por parte dos cidadãos. A experiência de 30 anos de internet mostra que nada substitui a responsabilidade pessoal. Mais do que questões de tecnologia, alguns riscos da internet sobre a política evidenciam uma ainda frágil cidadania. A maturidade da internet também deve ser a maturidade do usuário (O Estado de S.Paulo, 13/3/19)