05/02/2018

Um milhão de vagas de gerente foram eliminadas na última década

Um milhão de vagas de gerente foram eliminadas na última década

 

 

Corte de custos, informatização e fusões estão entre causas da extinção do cargo.

Com a meta de enxugar custos em tempos de crise e modernizar suas estruturas, as empresas brasileiras eliminaram mais de 1 milhão de vagas de gerência e supervisão ao longo dos últimos dez anos. Dados pesquisados pela Folha no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que esse processo se acelerou entre 2015 e 2017, período em que o país viveu a maior recessão desde os anos 1980.

Apenas nesses três anos, ficou em 538 mil o saldo negativo entre contratações e demissões de gerentes e supervisores em regime de carteira assinada. O ranking das ocupações em 2017 ajuda a ilustrar o movimento. Entre os dez campeões de postos eliminados, cinco estão na chamada "chefia intermediária": supervisor e gerente administrativo, gerente de loja e supermercado, gerente comercial e gerente de vendas.

"A maior parte das empresas colocou as lideranças no limite nos últimos anos", afirma Ricardo Basaglia, diretor-executivo da consultoria Michael Page. "Com a crise, o mercado consumidor diminuiu de tamanho, e as empresas se adequaram a esse novo cenário", avalia.

Em parte, isso pode ser explicado por um processo que vem desde os anos 1990 e que foi batizado de "horizontalização". Se há duas décadas era comum que grandes empresas tivessem até 20 níveis diferentes de hierarquia, o uso da tecnologia e a busca por custos menores reduziram esse número a um quarto.

 

No caso das multinacionais, as dificuldades econômicas enfrentadas nos últimos anos em locais como Estados Unidos e Europa também levaram à eliminação de cargos, medidas que automaticamente foram adotadas por suas filiais no Brasil.

O aumento da terceirização de serviços também contribuiu, na avaliação de Clemente Ganz Lúcio, diretor do Dieese. "Além disso, desde os anos 1990 as empresas fazem uma redução sistemática dos chamados cargos intermediários de gestão, já que a informatização facilita a fiscalização e a gestão. Em época de turbulência econômica, isso se acelera", resume.

O elevado número de fusões e aquisições também pesa porque os gestores sobreviventes passam a ser responsáveis por mais tarefas e um número maior de comandados. "O mercado vem passando por uma grande concentração. Quando uma empresa compra a outra, passa ter dois gerentes ou supervisores de venda, por exemplo. E não vai precisar de ambos", ilustra Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP).

 

MENOS INTERMEDIÁRIOS

-21,8 mil
gerentes administrativos em 2017

-13 mil
gerentes de loja e supermercado no ano passado

Gerentes e chefes dispensados tentam se ajustar ao mercado

Gerente de negócios para a América Latina de uma multinacional do agronegócio, Heloisa Beigin, 56, se viu desempregada no final de 2014, depois de quase 30 anos de uma carreira em grandes empresas. Três anos após a demissão, atua em um nicho aberto pela própria crise em seu campo de atuação.

 

A Innovativa, empresa criada em parceria com outros oito sócios que há alguns anos se viram na mesma situação, oferece consultoria empresarial em diferentes áreas. Além disso, possui um cadastro de 800 gerentes, supervisores e diretores, que podem trabalhar de forma temporária cobrir licenças-maternidade, substituir um expatriado, por exemplo.

É comum também que atuem em projetos específicos, que têm início, meio e fim.

A empresa fecha o contrato com a consultoria, o que reduz o risco de serem processadas na Justiça. "Aproveitamos esse momento de muitos desligamentos e de grande capital intelectual disponível para alocar pessoas no mercado de trabalho. Isso já acontece nos Estados Unidos e na Europa", afirma.

Como outros chefes, ela perdeu o emprego pelo fato de trabalhar em uma empresa internacional, que decidiu eliminar sua função. "Apesar de a empresa ter escritório aqui, eu me reportava diretamente à matriz fora do Brasil. Quando houve uma reestruturação, a minha posição, assim como em outras regiões do mundo, foi extinta."

O caminho encontrado pela ex-gerente é uma saída frequente para o enxugamento de cargos na chefia intermediária. "Muitos que no passado ocupavam essas posições passaram a montar empresas e a prestar serviços para antigos empregadores", afirma Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, da FGV-EAESP.

Aqueles que conseguiram se manter no mercado de trabalho tradicional passaram a ter que desenvolver qualidades como flexibilidade e empreendedorismo. "O modelo de comando e controle está em desuso", diz Marcia Oliveira, consultora de carreira sênior da Produtive. "O comportamento empreendedor, de atitude, engajamento, passa a ser mais importante."

Ao mesmo tempo, as empresas também priorizam profissionais que entendem de tudo um pouco.

"A crise fez as empresas reverem custos, mas não podem simplesmente acabar com determinadas áreas. Interessam os profissionais mais generalistas, mais multitarefas", afirma Paulo Dias, diretor da consultoria STATO. Na prática, a maioria dos gerentes e supervisores passou a ter de se sujeitar a salários ou posições inferiores.

TROCAS

Dados do Caged mostram que o crescimento de vagas formais em 2017 foi maior entre os trabalhadores com escolaridade de nível médio ou superior, que ocuparam postos antes destinados aos menos qualificados.

"Diferentemente de diretores e presidentes, contratar gerentes é mais fácil", diz Luís Testa, da Catho. "E um gerente com anos de casa ganha mais que um novo."

Apesar de o movimento ser considerado irreversível, a avaliação de parte dos especialistas é que, quando o país voltar a crescer, haverá um pico de demanda por profissionais qualificados, que vai beneficiar esses profissionais (Folha de S.Paulo, 4/2/18)