Uma autoridade climática abstrata – Editorial Folha de S.Paulo
Órgão anunciado por Lula não virou projeto, embora seja promessa de campanha; falta de convicção dificulta negociações.
Foram necessárias enchentes trágicas no Rio Grande do Sul e uma estiagem inaudita que desencadeou incêndios pelo território nacional para que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciasse, três semanas atrás, a criação de uma autoridade climática em sua administração.
A proposta está longe de ser nova: foi promessa de campanha do presidente. O fato de nenhum projeto ter sido apresentado até agora evidencia como a ideia ainda é abstrata e enfrenta discordâncias tanto dentro do governo como no Legislativo.
A implantação do órgão —que teria a missão de articular políticas ambientais com outras áreas para adaptação, prevenção e respostas aos efeitos do aquecimento global— foi uma das condições para que Marina Silva, agora ministra do Meio Ambiente, aderisse à atual gestão.
Mas as divergências tiveram início já na transição de governo, no final de 2022. Marina defendia que a autoridade ficasse subordinada à sua pasta, enquanto outros integrantes da equipe preferiam fortalecer estruturas já existentes ou vincular o órgão diretamente à Presidência.
Naquele período, a ideia era a de que o órgão atuasse em negociações diplomáticas. Já em junho de 2023, cogitou-se também a regulação do mercado de carbono, pauta de interesse da iniciativa privada que encontraria guarida no Legislativo.
O Planalto, àquela altura, havia sofrido derrotas em projetos ambientais no Congresso, e a nova atribuição da autoridade seria uma forma de angariar apoio entre parlamentares. Nada de concreto aconteceu, entretanto.
Em entrevista ao jornal O Globo no último domingo (22), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, deu ideia do nível dos desencontros no governo em torno do assunto, ao afirmar que o primeiro texto detalhando as atribuições do novo órgão só chegara a suas mãos poucos dias antes. Já a pasta de Marina considera que sua proposta está amadurecida.
O fato visível é que Lula não sabia ao certo o que estava anunciando há três semanas —pois nem seus auxiliares dispõem de um plano consensual. Tratava-se tão somente de uma reação apressada e improvisada à devastação provocada pelo fogo.
A demonstração de falta de convicção na administração petista tende a tornar ainda mais difícil a tarefa de convencer a sociedade e, em particular, o Congresso da utilidade da nova estrutura.
Só o que fica claro é como o governo tem dificuldades para oferecer respostas convincentes em área tão crucial para seu sucesso (Folha, 1/10/24)