Uma oportunidade para não ser desperdiçada – Por Solange Srour
Solange Srour Foto Credit Suisse Divulgação
Alta das commodities recomenda poupar arrecadação extra, mas não é o que estamos fazendo.
A forte alta dos preços de commodities vista nas últimas semanas tem potencial de favorecer bastante o Brasil. Cerca de 70% de nossas exportações são commodities, o que leva nossos termos de troca —razão entre o preço dos produtos que o Brasil exporta e o preço dos produtos que o Brasil importa— para perto do seu maior valor histórico.
Quanto mais alto é esse número, maior renda o país consegue gerar com o comércio exterior. Ganhos que deveriam permitir mais investimentos, aumento da produtividade e melhora da distribuição de renda, escolaridade e saúde.
No entanto, há dúvidas do quanto dessa alta dos termos de troca se traduzirá em renda de fato.
Adversidades climáticas têm limitado a produção de algumas commodities, enquanto a alta dos preços de fertilizantes, em grande parte importada, pode fazer com que parte dos ganhos retorne ao exterior.
Ademais, antes da guerra, as principais economias globais já estavam diante de uma inflação alta, o que reduzia estímulos monetários e colocava em risco o pujante crescimento global. Não obstante todos esses fatores, o impacto da alta de commodities sobre o bem-estar da sociedade brasileira vai depender sobremaneira do efeito que esta terá na inflação, já bastante alta e disseminada.
A dinâmica da inflação é bastante influenciada pelo comportamento do câmbio. Em geral, encontramos uma relação inversa entre a taxa de câmbio real e o desempenho dos termos de troca. Preços dos produtos exportados aumentando em relação aos importados favorecem o saldo comercial, e essa injeção adicional de recursos se traduz em apreciação do câmbio. A taxa de câmbio real também se valoriza quando aumenta o diferencial de juros internos e externos —também o maior desde o começo do regime de metas de inflação.
A apreciação da taxa de câmbio ajudará a conter as pressões inflacionárias e a levar à queda dos juros? Não foi isso o que aconteceu entre meados 2020 e 2021, quando nosso termo de troca subiu cerca de 20%, enquanto a taxa de câmbio sofria depreciação, impactando a inflação e levando a um aperto monetário expressivo. A incerteza sobre as regras fiscais impediu que o maná externo gerasse ganhos de renda para a população, e o PIB começou a desacelerar.
É verdade que nossa posição fiscal melhorou em 2021, e o mesmo pode acontecer em 2022, uma vez que o setor de commodities é bastante tributado. Entretanto, a melhora de curto prazo não compensou o enfraquecimento da âncora fiscal.
O recomendável diante de um choque externo favorável é que a política fiscal seja acíclica, com o governo poupando parte da arrecadação extra a fim de poder aumentar o gasto quando o boom passar.
Infelizmente não foi isso o que fizemos e estamos fazendo. No ano passado, aumentamos o teto de gastos para acomodar o Auxílio Brasil, e agora utilizamos o ganho de arrecadação cíclica para cortar impostos, buscando uma forma legal de enfraquecer mais uma vez a Lei de Responsabilidade Fiscal. É disso que dependerá a sustentabilidade da apreciação cambial a que estamos assistindo.
Não foi nos últimos dois anos a primeira vez em que não nos beneficiamos como podíamos da alta nos preços das exportações. Carrasco, de Mello e Duarte ("A Década Perdida: 2003 – 2012"), utilizando a técnica estatística de "controle sintético", selecionaram um conjunto de países cujo desempenho econômico anterior a 2003 era o mais semelhante ao do Brasil e analisaram o período após o enorme ganho dos termos de troca que se estendeu até 2010 (controlado pelo ganho dos termos de troca de cada país). Comparando a trajetória do PIB per capita brasileiro com a média ponderada daqueles países (Turquia, Tailândia, Ucrânia e África do Sul), eles demonstraram que o nosso desempenho foi claramente inferior.
O baixo crescimento é resultado das instituições que criamos e perpetuamos. Um país que ainda lida com insegurança jurídica e regulatória, infraestrutura deficiente, desequilíbrio fiscal, carga tributária distorciva, economia fechada e educação de baixa qualidade precisa aproveitar exaustivamente os momentos em que o cenário externo lhe é favorável.
Obter taxas elevadas de crescimento sustentáveis requer reformas econômicas que melhorem a nossa formação tanto de capital físico quanto de capital humano. O momento mais propício para avançar é justamente quando o país fica mais rico. Se esse for o caso nos próximos anos, que não fiquemos para trás em relação ao que poderíamos ter atingido, resultando em mais uma década perdida (Solange Srour é economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse e mestre em economia pela PUC-Rio; Folha de S.Paulo, 24/3/22)