Venda de sentenças precisa ser punida com o rigor da lei – Editorial Folha

Investigações sobre corrupção na Justiça afetam ao menos 14 tribunais, o que sugere necessidade de reforço de controle.
Foi concluído o inquérito da Polícia Federal que investiga um suposto esquema de venda de decisões no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
De acordo com o relatório policial, participariam dessa organização criminosa nada menos que sete desembargadores (dois dos quais aposentados) e um conselheiro do Tribunal de Contas do estado, entre outros suspeitos.
A quebra do sigilo de comunicações levou a PF a acreditar que muitas das negociações ilícitas tenham ocorrido com a intermediação de filhos dos desembargadores e, mais grave, que a corrupção tenha alcançado membros do Superior Tribunal de Justiça.
Em depoimentos, alguns dos envolvidos negaram qualquer irregularidade em suas condutas e, se um processo for instaurado, terão a oportunidade de apresentar suas explicações.
Por causa da menção a integrantes do STJ, caberá à Procuradoria-Geral da República decidir se levará o caso adiante, com a formalização de denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF). Espera-se que a PGR esteja atenta a esse episódio, pois crimes dessa natureza, se comprovados, não podem passar sem resposta firme.
Em uma república, o Judiciário é o órgão responsável por solucionar conflitos entre pelo menos duas partes. Sua imparcialidade, simbolizada por uma figura de olhos vendados, é condição necessária para que os cidadãos confiem em sua atuação e aceitem pacificamente o desfecho determinado em uma sentença.
Violar esse princípio, portanto, não representa uma ofensa somente a quem se viu prejudicado em um caso concreto; representa uma agressão contra a própria ideia de Justiça e, por consequência, também contra um pilar do Estado democrático de Direito.
Vistas por esse ângulo, as suspeitas em Mato Grosso do Sul já são deploráveis o bastante, mas, infelizmente, estão longe de encerrar todas as fontes de preocupação dentro do Poder Judiciário.
Existem no país ao menos 14 tribunais envolvidos em episódios de venda de decisões judiciais. São casos ligados a magistrados da ativa, aposentados ou afastados, além de funcionários de seus gabinetes e parentes com trânsito no ambiente forense.
Embora STJ e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmem priorizar esses esquemas de corrupção, há ações que se arrastam há mais de uma década, sem conclusão.
Tamanha demora é inadmissível. O respeito à ampla defesa não pode se confundir, jamais, com a mera protelação de um desfecho condenatório, sob pena de reforçar na sociedade a percepção de que os magistrados se pautam, nas relações entre si, apenas por um corporativismo pusilânime.
É fundamental que as investigações avancem e que as condutas ilícitas sejam punidas com o rigor da lei. Para além dos casos concretos, é imprescindível, de modo mais amplo, reforçar os mecanismos de controle e transparência, para evitar que se repitam episódios tão lamentáveis e danosos como esses (Folha, 3/5/25)