03/07/2019

'Vivemos uma batalha global pela liderança na inovação', diz reitor

'Vivemos uma batalha global pela liderança na inovação', diz reitor

Legenda: Para Geoffrey Garrett, reitor da escola de negócios, conhecimento virou commodity e EUA e China estão em queda de braço por tecnologia

 

Para ‘comandante’ da escola de negócios, conhecimento virou commodity e EUA e China estão em queda-de-braço não por tarifas, mas por tecnologia.

 

Considerada a escola de negócios mais antiga do mundo e a que mais produziu bilionários, segundo a revista Forbes, a Wharton Business School, da Universidade da Pensilvânia, tem passado por um processo de renovação. “Sempre fomos conhecidos como uma das melhores escolas de finanças do mundo, mas precisamos ir além disso. Se fomos bons em analisar dados, agora temos uma veia de big data”, explica ao Estado Geoffrey Garrett, reitor da instituição, fundada em 1881. 

Australiano e cientista político, ele tem um perfil heterodoxo para a escola que comanda há cinco anos. Segundo ele, houve muitas mudanças em meia década – antes interessados em acelerar carreira, os alunos agora querem trocar de área e empreender. É algo que acompanha o mundo, para ele. “O conhecimento está virando uma commodity, algo que se pode buscar no telefone. Por isso, estamos investindo em aulas de trabalho de equipe.” 

Em visita a São Paulo no início deste mês, Garrett também falou ao Estado sobre o contexto político global: para ele, a guerra movida pelo ex-aluno de Wharton (e presidente americano) Donald Trump à China não é tarifária, mas sim tecnológica. E pode ter consequências profundas. “Parece que estamos num ponto de inflexão, a ponto de nos questionar se teremos múltiplas internets, administradas por diferentes países, no futuro. Há alguns anos, era algo impensável.”

O sr. é reitor de Wharton há cinco anos. Como a escola mudou desde então? 

Somos conhecidos como uma das melhores escolas de finanças do mundo, mas precisamos focar em algo além disso. Sempre fomos bons em analisar dados, agora temos uma veia própria para big data e analytics. Também temos uma frente dedicada a inovação e empreendedorismo. Neste caso, aprendemos mais vivendo a experiência de empreender – e deixando os alunos fazerem isso – do que estudando o empreendedorismo. Recentemente, também lançamos um centro de pesquisas sobre fintechs. Demoramos para entender qual seria o significado de fintech. Para mim, é o uso de tecnologia de informação que rompe com modelos tradicionais. É algo que os estudantes pesquisam por conta própria há alguns anos, em clubes com centenas de membros. Gosto de deixar os estudantes liderarem a inovação dentro da escola: eles têm incentivos para isso. Meu desafio como administrador é como institucionalizar as grandes ideias que eles têm. 

Como é criar um sistema de ensino a partir de tendências muito rápidas? 

Adoro uma citação de Thomas Friedman: no século XXI, o que importa não é o que você sabe, mas sim o que pode fazer com o que sabe. O conhecimento está virando uma commodity, algo que você pode buscar no telefone. Por isso, estamos nos afastando de aulas que sejam só leituras, e nos aproximando mais do trabalho de equipes. O mundo está ficando mais interpessoal. No entanto, há uma habilidade que seguirá importante: como achar o conhecimento que se precisa na hora certa para sua aplicação. 

O perfil dos estudantes mudou? 

Muito. Os cursos de MBA de dois anos, tradicionais, estão perdendo demanda. É algo que envolve um custo de oportunidade muito alto, enquanto cursos mais livres estão bombando hoje. É justamente por que a natureza dos estudantes mudou. Antes, fazer um MBA servia para acelerar a carreira. O estudante vinha de Wall Street, fazia o MBA e voltava para ganhar mais. Hoje, muita gente faz o que chamo de reposicionamento de carreira: foram bem-sucedidas após a faculdade, mas querem mudar isso. Além disso, boa parte dos alunos de MBA já chega ao curso com uma empresa iniciada. Eles buscam três coisas: conhecimentos de gestão, rede de contatos e absorção do risco – afinal, se a ideia deles der errado, ainda terão boa capacitação para o mercado. 

Elon Musk e Sundar Pichai passaram por Wharton. Isso ajuda vocês a fazer propaganda? 

Ajuda. Somos muito conhecidos em finanças, mas precisamos mostrar que vamos bem em tecnologia. Para mim, Sundar Pichai é um ótimo exemplo do que queremos exibir: as habilidades que se aprendem em Wharton podem não ser as necessárias para criar uma startup, mas sim para fazê-la ganhar escala. Nem todo mundo quer ser um fundador ou tem vocação para ser o “presidente executivo herói”, mas todos querem ajudar empresas a crescerem. 

Muitos brasileiros têm ido estudar em Wharton nos últimos anos. Como o sr. vê o país? 

Acredito que hoje estamos numa época de mudança de paradigma sobre a globalização. Nos anos 1990, havia um otimismo muito forte: nós seríamos globais, mas todos queriam ser americanos. Isso parece equivocado hoje: percebemos que somos uma escola global porque temos coisas a oferecer, mas também temos muito a apreender. O empreendedorismo tem habilidades universais, mas o contexto – China ou Tel Aviv, São Paulo ou São Francisco – importa demais. Quando penso no Brasil, penso em duas coisas. A primeira é que precisamos ter presença forte brasileira porque vocês são uma economia de importância global. A segunda é que, com tecnologia, a economia brasileira pode dar saltos para chegar direto ao século XXI. As fintechs são um exemplo disso: o sistema bancário brasileiro é bem tradicional, de forma que há enormes oportunidades. É isso que vejo os brasileiros buscarem em Wharton: como explorar essas oportunidades. 

Recentemente, o sr. escreveu um artigo sobre o populismo global e citou nominalmente Jair Bolsonaro. Como vê esse movimento? 

Estou bem preocupado com isso. Há 200 anos, sabemos que fronteiras abertas são melhores para todos, mas nos esquecemos que no curto prazo, algumas pessoas têm perdas significativas quando isso acontece. Foi o que aconteceu após a crise de 2008: os salários estão estagnados e as pessoas não estão melhor do que antes. Parece que é preciso escolher e colocar muros entre os outros, que não é mais possível, como nos anos 1990, ser brasileiro e global ao mesmo tempo ou pertencer a uma etnia e ser cosmpolita. No entanto, preciso dizer que vejo semelhanças entre Bolsonaro e Trump: eles são criticados por posturas sociais, mas não por economia, onde ambos têm posturas bem tradicionais. Trump faz grandes cortes em impostos. Bolsonaro busca reformas e privatizações. É uma agenda bem conservadora. Mas há risco que as questões sociais esbarrem na economia – nos EUA, parece que nos querem separar não só da China, mas da Europa, do Canadá e do México. É complicado. 

Trump é um ex-aluno de Wharton. Como o sr. vê isso?

A universidade não se manifesta politicamente: parabenizamos todos que são eleitos para cargos públicos. Mas discutimos temas importantes. Somos uma escola global e não queremos que nossos alunos tenham restrições – por isso acredito que precisamos de políticas mais abertas sobre imigração. Além disso, hoje temos modelos econômicos que podem ajudar a entender impactos negativos de políticas públicas, como as tarifas que Trump tem praticado. A Casa Branca nos critica bastante pelos nossos modelos. Acho incrível isso: um ex-aluno de Wharton critica Wharton sobre as críticas que fazemos ao seu governo. Mostra o quanto a sociedade é aberta. 

Nas últimas semanas, um decreto de Trump afetou dramaticamente a chinesa Huawei, líder no desenvolvimento de redes 5G. Há ainda toda uma disputa comercial por tarifas O sr. acredita que vivemos uma “guerra fria tecnológica”? E quais podem ser as consequências para o futuro, considerando que haverá eleições nos EUA no ano que vem? 

Não estamos vivendo uma guerra comercial. Estamos vivendo uma batalha por liderança global em inovação. Não é algo simples de se explicar – e por isso Trump lida com tarifas como se fosse um campeonato de futebol. Para ele, importações são ruins, exportações são boas. Não faz sentido econômico, mas é poderoso de forma política. Resolver a guerra tarifária é simples, se Trump quiser fazer isso, e acredito que ele o fará antes da eleição. No entanto, há questões bem mais complicadas no que diz respeito às relações EUA e China. Hoje, as empresas americanas querem ter um jogo mais limpo para disputar o mercado chinês, sem precisar fazer joint ventures ou ceder propriedade intelectual. Além disso, empresas chinesas estão disputando o mercado global. E estamos hoje desenvolvendo tecnologias que têm uma forte implicação de segurança nacional – algo que não nos importou muito nos últimos 30 anos, justamente por conta desse otimismo global. Mais do que falar que o fundador da Huawei trabalhou no exército chinês, há um ponto sério que pouca gente discute: Xi Jinping, presidente chinês, já disse a qualquer empresa privada que, se o governo chinês quiser ter acesso a dados dos usuários, ele deverá ser concedido. Não está sendo usado hoje, mas pode ser sério no futuro. 

O quanto o 5G importa, nesse contexto?

Para mim, é notável que não há nenhuma grande empresa americana na corrida do 5G. Vamos lembrar que a internet nasceu dentro do Departamento de Defesa americano. Nós paramos de investir, após a Guerra Fria, em tecnologias de pesquisa e desenvolvimento. Agora, paramos de investir e vemos a consequência. O 5G é um “big deal”. Parece que estamos num ponto de inflexão, a ponto de nos questionar se teremos múltiplas internets, administradas por diferentes países, no futuro. Era algo impensável há alguns anos. 

Como o sr. vê o futuro em 10 anos? 

Previsões são difíceis, especialmente se são sobre o futuro. Vejo três pontos de inflexão acontecendo. A China vai se integrar mais à economia global ou teremos duas economias globais? A tecnologia vai criar desemprego em massa ou surgirão novas posições, que ainda não sabemos quais são? O populismo veio para ficar ou os EUA escolherão um democrata em 2020? Essa última é difícil. Creio que os democratas escolherão um candidato tradicional como Joe Biden. Ele tem uma mensagem simples: sabe governar e sabe como vencer Donald Trump. Por outro lado, a economia dos EUA tem bons sinais: o juro e o desemprego caiu, a bolsa está subindo. Se olharmos os números, tudo diz que os americanos vão reeleger Trump. Isso só não basta, mas será uma eleição apertada (O Estado de S.Paulo, 23/6/19)