10/01/2018

Zander Navarro defende mudanças para alavancar a agricultura brasileira

Zander Navarro defende mudanças para alavancar a agricultura brasileira

 

 

A necessidade de adaptação da agropecuária brasileira à atualidade motivou o pesquisador da Coordenadoria de Macroestratégia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Zander Navarro, a construir, em conjunto com mais três autoridades no assunto, um documento listando sugestões para melhorar o setor. Na entrevista a seguir, concedida na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, no dia 3 de maio, o especialista explica melhor quais os objetivos da publicação “A economia agropecuária brasileira – o que fazer?”.

Em parceria com o secretário Arnaldo Jardim, Zander lista iniciativas que podem alavancar ainda mais a produção do País, apontado como principal líder na produção mundial de alimentos. “Não é um documento político. São sugestões de pessoas que estudam o meio rural, o Estado e suas políticas e o desenvolvimento da agricultura”, resume o pesquisador. Faça o download do texto clicando aqui

Conciso, mas grande em seu alcance, o documento foi escrito também com o secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca do Espírito Santo, Octaciano Neto; o economista e pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Antônio Márcio Buainain; o economista e pesquisador da Embrapa Eliseu Alves; e o economista e diretor-presidente da MB Advogados José Roberto Mendonça de Barros.

Por que é necessário adotar novas medidas para a agricultura?

É a nossa concordância. Talvez a razão principal seja o fato de que a agricultura brasileira passou por um profundo processo de transformação iniciado basicamente no fim dos anos 90. Claro que existem muitas razões que são de natureza histórica, que exige uma explicação mais longa. Só para ilustrar, nos anos 90, por exemplo, uma série de medidas criou um ambiente muito mais liberalizante. Houve uma explosão de preços, o chamado boom das commodities. Particularmente, no caso brasileiro, o preço da soja. Isso significou, portanto, um setor econômico com a sua produção de uma riqueza extraordinária. Isso fez com que a agricultura brasileira entrasse em outro período.

Então existe uma visão que não condiz mais com a realidade?

É um dos aspectos. Uma boa parte da organização do governo brasileiro para a agricultura, de certa forma, ainda pensa que estamos nos anos 70, quando houve o primeiro momento de uma modernização muito importante, os comportamentos, as decisões e até os órgãos. Alguns deles, não todos, ainda refletem esse passado. O Brasil tem um setor econômico que é a agropecuária que, de certa forma, vem salvando a nossa economia há pelo menos 30 anos. E não recebe a devida atenção. O Estado brasileiro parece dizer assim: já que eles estão funcionando bem, deixa eles para lá.

Mas sem levar em conta que pode funcionar melhor ainda, não é?

Sim, quando pode funcionar muito melhor. Como hoje existe uma conjuntura política muito específica, a gente decidiu escrever um documento que não é a favor de um grupo político ou outro. Por isso na primeira página dizemos: é dirigido às autoridades do País, sejam elas quais forem. Não é um documento político. São sugestões de pessoas que estudam o meio rural, o Estado e suas políticas e o desenvolvimento da agricultura. É um conjunto de temas, mudanças que precisam ser feitas. Seja quem for que tome as decisões, por favor, considere esses pontos.

Vocês começam afirmando que um desses pontos mais importantes é realizar um rol de obras. Estamos falando então de infraestrutura, que influencia no nosso alto custo de produção, o chamado custo Brasil?

Sim. Se você perguntar para todo mundo que trabalha com agricultura, sempre citarão o problema da logística, da infraestrutura. Simplificando um pouco, isso significa quase sempre que há sempre três coisas. A primeira delas é que existe hoje uma região que está se tornando a principal região agrícola do Brasil, que é o Centro-Oeste, principalmente Goiás, uma pequena parte do Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, pega até uma pequena parte de Minas Gerais e da Bahia também. Essa região está longe dos portos, têm que enfrentar essas estradas que são um problema, não têm linha de ferro e tudo mais. Quando se fala em logística, quase sempre se fala em criar uma infraestrutura que permita o escoamento mais barato e rápido.

Não só criar uma infraestrutura, mas uma infraestrutura que confira competitividade. Não adianta elevar o preço de um produto que vai ser escoado, mas não é competitivo.

Isso mesmo. O primeiro ponto é esse, uma região que hoje já é quase a principal região agrícola do País tem que chegar aos portos. O segundo ponto é uma política de fomentar o crescimento de armazéns privados, porque o volume da produção está crescendo e os armazéns públicos, ou aqueles que são privados e comissionados por políticas públicas, eles não dão conta. E aí quando a gente tem o acúmulo da produção, a gente vê isso com frequência na imprensa, as pessoas têm que inventar, achar uma estrada para espalhar a soja e cobrir para a chuva não destruir porque não tem onde armazenar. A política a ser feita é muito simples: estabelecer mecanismos creditícios que permitam aos produtores construírem seu próprio armazém. O produtor utiliza uma parte do ano, na outra parte pode alugar para o vizinho, etc. A gente teria mais capacidade de estocar. E o terceiro ponto, evidentemente, é a modernização dos portos, têm que ser ampliados. Com relação à logística, o que nós estamos querendo dizer neste documento é que o prioritário é isso – em um clima onde não há dinheiro. Por isso nós insistimos muito nisso. Se tem uma crise fiscal, e crise fiscal significa que falta dinheiro, se falta dinheiro, vamos fazer a coisa mais óbvia, que alguém do jardim de infância faria. Quando se tem pouco dinheiro é preciso saber o que é prioritário. Não é dizer que vai fazer isso ou aquilo, começar obras que não terminam nunca. Em vez de fazer isso, é preciso ver qual é o custo-benefício, as obras prioritárias e vamos começar pelas prioridades.

Ainda nesse caminho de infraestrutura, estamos falando de um País que é liderança de produção e exportação de alimentos. É preciso estar cada vez mais conectado ao mercado mundial?

Essa transformação recente da agropecuária brasileira só ocorreu por causa do mercado externo. Nosso mercado interno é extremamente pujante, a maioria da nossa produção é consumida aqui dentro. Vamos deixar muito clara a importância desse mercado interno. Mas houve esse momento histórico em que os preços da soja, das commodities em geral, dispararam e estimularam muito mais o crescimento dessa produção, essa produção tecnificada, centrada em ciência, com muita preocupação com produtividade. Os interessados procuraram e conquistaram os mercados e isso significou, portanto, que o Brasil ampliou muito volume e qualidade de suas exportações. O Brasil hoje exporta para quase 200 países. 40 anos atrás era exportador de café, hoje tem mais de 300 produtos que são vendáveis no mercado.

E essa relação precisa ter apoio do governo no âmbito político, de boas relações internacionais para garantir abertura de mercado.

Exatamente. No documento a gente reclama também, sem entrar em detalhes, dessa postura muito tímida do Brasil. O Brasil vai para os fóruns internacionais e fica ouvindo, nós não temos equipes que são agressivas como outros países para conquistar novos mercados. Temos que ter outra estratégia, uma estratégia de um País que quer ser vencedor, quer conquistar mercados, ampliar a produção. Capacidade para isso nós temos, a esta altura isso não é um problema.

Falta atitude?

Sim, falta atitude. Nós temos que saber como País exportador, por exemplo, quais são as regras sanitárias do país para o qual queremos exportar. Alguém tem que fazer isso, alguém tem que levantar esses dados e dizer quais mercados estão disponíveis, ver o que eles exigem. Os exportadores do lado de cá, os produtores, obviamente vão se preparar para isso. Os mercados são muito diferentes. Existem mercados mais simples, que querem matérias-primas brutas, outros mais sofisticados, particularmente aqueles de renda mais alta, que querem produtos processados com certas características. Temos que ter mais informações e capacidade de nos organizar aqui dentro para atender essa segmentação.

Dada a importância dessa preparação, vocês citam no documento a agricultura de precisão. Ela ainda é subestimada no Brasil?

Ela está nascendo no Brasil. No documento nós dizemos que este é o futuro, mas é um futuro que está aqui já, não é um futuro para daqui 20 anos. Já é uma realidade nas agriculturas mais avançadas do mundo e já é uma realidade também em certas regiões agrícolas do Brasil. Não acredito que falte atenção a ela, o que eu acho é que é preciso multiplicar esse conhecimento, temos que ter muito mais técnicos para espalhar essa tecnologia. Eventualmente, para certas coisas, precisaríamos ter algum tipo de incentivo para a adoção por parte dos produtores poder ocorrer mais rapidamente. Mas essa agricultura chamada de precisão já está na nossa mão. Aquela agricultura que vai ter vários drones mapeando a propriedade, dizendo onde precisa de mais água, mais adubo, onde tem infestação.

Mostrando que não há espaço para amadorismo.

Na agricultura hoje amador nenhum sobrevive, não tem mais como. Essa é uma atividade que se tornou totalmente concorrencial. O produtor que é médio, eventualmente até um grande, mas que não está se preocupando muito com uma busca persistente pela produtividade, ele começa a ser encurralado. Ele começa a ficar cheio de vizinhos que são muito mais eficientes, portanto têm muito mais rentabilidade e capacidade financeira. Uma hora ele recebe uma proposta de venda da sua propriedade.

E qual é a importância da sustentabilidade nisso?

Não tem como fugir disso. É claro que essa palavra é um pouco mágica, a gente fala sobre sustentabilidade para tudo. Hoje em dia ela se tornou uma palavra que é quase um mantra universal. Mas ela tem uma realidade. Por exemplo, no caso da agricultura brasileira, que vem ampliando muito a sua produtividade, isso acaba produzindo um efeito extremamente benéfico em termos de sustentabilidade no sentido de poupar recursos. Uma agricultura brasileira que cresce a produtividade como vem crescendo, ela poupa terra porque começa a produzir cada vez mais por unidade de terra, portanto não precisa mais espalhar a plantação. Quando é feito o estudo de vários ramos produtivos aqui e acolá, principalmente nas regiões mais modernizadas, é possível ver que estamos poupando muita terra realmente. Essa é uma dimensão da sustentabilidade.

Vocês citam também no documento a questão da necessidade de multiplicar as cooperativas. Seria um modo justo de produção?

Queremos dizer o seguinte: tivemos um amplo programa de redistribuição fundiária, reforma agrária, que não produziu resultados. E não é porque ele foi pequeno, o Brasil já redistribuiu terras em um volume tal que equivale ao tamanho de uma França e meia, este é o tamanho da distribuição de terras no Brasil de 1995 para cá. Só que isso não produziu resultados porque só foi dada a terra, não veio mais nada. Pegaram aproximadamente um milhão de famílias pobres, deram a terra e disseram: virem-se. Isso sem assistência técnica, sem nenhum apoio. Por isso não produziu resultados. Além disso, mesmo que haja essa redistribuição de terras dessa envergadura, o Brasil é muito grande. Quando foi ser medido o índice de concentração de terras ele continuou altíssimo. Não mudou nada, as famílias pobres continuaram pobres. Quem podia, inclusive, passou para frente a sua parcela de terra, ganhou um dinheirinho e foi tentar a vida em um outro lugar, normalmente na cidade.

Não foi algo efetivo.

Não foi. O efeito produtivo, por exemplo, desses 90 milhões de hectares foi quase nenhum. Você tem alguns assentamentos mais produtivos, principalmente mais aqui do Centro-Sul para baixo. Mas à medida em que você vai para o Nordeste, Norte, estão abandonados, um fracasso total. A reforma agrária não resolveu o problema da pobreza rural.

Por isso vocês propõem também uma otimização do espaço governamental dos ministérios responsáveis pelo campo, o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Desenvolvimento Agrário (MDA)?

O que a gente está propondo é que não dá para continuar a olhar o meio rural como se fosse uma coisa fragmentada. Inclusive com dois ministérios brigando entre si, é um absurdo. São do mesmo Estado, da mesma sociedade, como pode ter dois ministérios que brigam entre si? É complicado dizer para extinguir um e manter o outro, seria escolher um dos lados, em primeiro lugar. Em segundo lugar, como nunca existiu na história desse País uma política nacional de desenvolvimento rural, nós nunca tivemos isso, a gente sugere que se faça algo que é politicamente mais sensato para ninguém criticar: extingue os dois e cria uma coisa nova voltada para toda a agricultura. Poderia até ter outro nome. Para olhar para todas as regiões rurais, todos os produtores, estimular a cooperação (Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, 5/5/16)