Zebu, uma história de compromisso com o Brasil
Gado Nelore. Foto Blog Fertili
Há comunidades profundamente comprometidas com a atividade rural e o meio ambiente – com o presente e o futuro do País
Louva-se, com razão, o trabalho da Embrapa no desenvolvimento do campo brasileiro. O Estado foi – e continua sendo – fundamental para a pesquisa e a inovação na agricultura e pecuária nacionais. Mas, na história do campo, existe um elemento inteiramente privado, muito anterior à Embrapa, fundada em 1973, do qual se fala menos e que teve – e continua a ter – importância decisiva para o País: as associações de criadores de gado. Refiro-me, em particular, à Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), cuja história remonta a 1919, com o lançamento, em Uberaba (MG), do Herd Book da Raça Zebu, certificando a origem da prole local dos animais importados da Índia.
São várias as razões pelas quais o papel desempenhado pelas associações de criadores de gado é decisivo para o País. Em primeiro lugar, seu trabalho aprimora o rebanho nacional, aumentando a previsibilidade, a produtividade e a sustentabilidade.
Selecionar, ao longo de décadas, o rebanho por meio de um específico padrão racial produz segurança. Possibilita saber, cada vez com menor margem de erro, o que esperar de cada animal que nasce na fazenda: seu tempo de desenvolvimento, suas demandas alimentares, suas características de fertilidade, seu potencial de ganho de peso e de produção de leite. Num setor marcado pela incerteza – pense na chuva ou no preço da arroba de carne e do litro de leite –, aumentar a previsibilidade é medida de grande importância.
Também aumenta a produtividade. A seleção ao longo do tempo possibilita animais mais aptos a produzirem carne e/ou leite e também mais férteis, com melhores índices de prenhez e maior habilidade materna. Por exemplo, a fertilidade da raça Nelore – de origem indiana, mas cujo desenvolvimento se deu no Brasil – significa mais animais saudáveis por hectare, em melhor aproveitamento dos recursos naturais.
A sustentabilidade refere-se, entre outros pontos, à adaptação do rebanho ao habitat natural. A seleção de uma raça nunca é mero olhar quantitativo – por exemplo, numa raça de gado de corte, animais cada vez maiores –, e sim qualitativo, buscando animais mais equilibrados. O gado zebuíno é paradigmático. Rústico e adaptado às condições climáticas brasileiras, ele não demanda uso de herbicidas nos pastos. Um rebanho apto a produzir com eficiência carne a pasto é ambientalmente responsável – e isso é o que gerações de criadores vêm selecionando ano após ano.
Há um segundo aspecto especialmente importante relacionado às associações de criadores, com impacto decisivo sobre o desenvolvimento do País: não é um trabalho de curto prazo, condicionado a específicos retornos financeiros. Anos ruins, ou mesmo décadas difíceis, não levam os criadores a abandonarem a atividade. Isso pode parecer ingênuo aos olhos de quem investe hoje num setor, amanhã noutro e assim por diante: a quem enxerga na atividade profissional mero instrumento de ganho financeiro. O fato, no entanto, é que, na agropecuária, há famílias e comunidades profundamente comprometidas com a atividade rural e, consequentemente, com o meio ambiente, com a qualidade da educação, com um saudável e competitivo ambiente de negócios – em síntese, com o presente e o futuro do País.
Esse horizonte temporal amplo é essencial para o País. Certamente, é possível montar negócios lucrativos em curto espaço de tempo, mas o desenvolvimento de uma nação tem outra dimensão, envolvendo um sentido de compromisso de longo prazo com sua terra e seu povo, além da transmissão de cultura entre as gerações. A ABCZ tem hoje cerca de 22 mil associados, o que significa enorme capilaridade, em todo o território nacional, de um sentido de cuidado e de seleção do rebanho, com impacto direto sobre o desenvolvimento social e econômico do Brasil.
Aos 15 anos, depois de uma viagem à França, questionado por meu pai sobre o que havia visto em algumas fazendas – altamente eficientes – perto de Limoges, respondi: o tempo construiu tudo aquilo. E essa mesma resposta dou hoje, ao constatar o aprimoramento do rebanho brasileiro: o trabalho construiu, ao longo do tempo, tudo isso.
O campo brasileiro tem muito a avançar em termos de responsabilidade ambiental e social. Mas é preciso reconhecer o incrível trabalho realizado. A pecuária nacional não é inimiga do meio ambiente. Os dados mostram isso com muita nitidez: o produtor rural é quem mais preserva o meio ambiente. Ele é, de longe, quem mais investe recursos na proteção da vegetação nativa.
A Grécia tem grande orgulho de suas oliveiras centenárias; às vezes, milenares. Elas expressam, de forma muito viva, a história e a cultura do país. Penso que podemos – e devemos – ter sentimento similar em relação ao nosso gado zebuíno. O que se tem hoje não é fruto do acaso ou da mera abundância de recursos naturais: é resultado de um trabalho pioneiro realizado com dedicação, profissionalismo e visão de futuro. No momento em que o mundo desperta para a necessidade de alimento saudável e sustentável, o Brasil está à frente, tendo muito a oferecer e a ensinar (Nicolau da Rocha Cavalcanti é advogado, sua família cria gado Nelore desde 1916; Estadão, 28/2/24)